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Crédito, José María Rodero / News Mundo
Os voluntários do Águias do Deserto, ou Águias do Deserto, colocam cruzes no 🏵 deserto de Sonora quando encontram os restos mortais de um migrante
Raúl não conseguia dar mais um passo sequer. As bolhas 🏵 queimavam seus pés e suas pernas não respondiam.
Seus companheiros de viagem decidiram deixá-lo para trás depois de esperar três horas 🏵 por ele em uma rocha no Cerro Picudo, no deserto de Sonora, no Arizona.
O grupo de cinco migrantes e um 🏵 coiote (como são chamados os guias pagos para levar imigrantes ilegais através da fronteira) caminhava pelo deserto havia cinco dias, 🏵 após cruzar a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Raúl Sánchez tinha dois celulares: um número mexicano e outro 🏵 de número americano. O coiote sugeriu que ele usasse o número dos Estados Unidos para ligar para o 911 e 🏵 pedir para ser resgatado, mesmo que a patrulha da fronteira o deportasse para o México.
Disse-lhe que se andasse um pouco 🏵 mais teria sinal em alguma colina do Cerro Picudo, uma montanha inóspita que se destaca como uma cabeça nas planícies 🏵 do deserto, no percurso de 190 quilômetros de Altar Sonora, no México, para a cidade de Tres Puntos, no Arizona.
Fim 🏵 do Matérias recomendadas
Usando uma camiseta vermelha e tênis preto, o mexicano de 36 anos se apoiou na rocha que marcava 🏵 o cruzamento entre duas estradas, em forma de Y, em um morro do Cerro Picudo. Ele carregava seus pertences em 🏵 uma mochila.
O deserto de Sonora ocupa 86.100 quilômetros quadrados, um território três vezes maior que o Estado brasileiro de Alagoas. 🏵 Do lado mexicano, estende-se pelas províncias de Baja California e Sonora. Do lado dos EUA, através dos Estados do Arizona 🏵 e da Califórnia.
Raúl disse ao coiote que respirava com dificuldade e que não conseguia se mover. E preferia retomar o 🏵 percurso quando se sentisse melhor. Ele ainda tinha água e comida. Se encontrasse outros migrantes, se juntaria a eles no 🏵 deserto.
O coiote e os migrantes viram Raúl pela última vez entre 16h00 e 16h30 da tarde de terça-feira, 22 de 🏵 agosto de 2023.
Durante uma semana, sua irmã Inmaculada ligou para os número de telefone mexicano e americano, mas ninguém atendeu. 🏵 Agoniada com o silêncio, ela relatou o desaparecimento de Raúl aos Águias do Deserto, um grupo de voluntários que procura 🏵 migrantes no deserto de Sonora, entre o Arizona e a Califórnia.
Depois de avaliar o caso, os voluntários decidiram realizar uma 🏵 operação para procurá-lo no sábado, 7 de outubro, quase sete semanas após seu desaparecimento.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Cerro 🏵 Picudo está localizado entre Altar Sonora, no México, e Tres Puntos, no Arizona
Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.
Episódios
Fim do Podcast
Octavio 🏵 Soria, conhecido entre os voluntários como Chaparrito, carrega na mochila uma cruz que fincará no chão caso encontre os restos 🏵 mortais de Raúl no deserto.
A cruz de madeira pintada de branco foi doada pela congregação das Irmãs Felicianas da América 🏵 do Norte, para homenagear a memória dos migrantes que morrem na tentativa de chegar aos Estados Unidos.
A fronteira entre os 🏵 dois países é a passagem migratória terrestre mais perigosa do mundo, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Quase metade 🏵 das 1.457 mortes e desaparecimentos de migrantes documentadas no continente americano em 2023 ocorreram nessa fronteira, embora a OIM alerte 🏵 que o número é subestimado devido à falta de dados oficiais dos governos do México e dos Estados Unidos.
Na noite 🏵 anterior à busca, Chaparrito dirigiu sete horas até o acampamento dos Águias do Deserto em Ajo, uma cidade no sul 🏵 do Arizona localizada a menos de 90 quilômetros da fronteira com o México.
Como o acampamento ainda não possui instalações formais, 🏵 após borrifar repelente para espantar cobras, ratos, escorpiões e formigas, Chaparrito passou aquela noite em uma barraca.
Às 4h da manhã, 🏵 os 15 voluntários que participam da busca usavam lanternas enquanto carregavam as vans com rádiotransmissores, frutas, garrafas de água e 🏵 suplementos eletrolíticos para repor os minerais que perderão com o suor.
A desidratação é a principal causa de morte entre os 🏵 migrantes que atravessam o deserto de Sonora, o mais quente da América do Norte, com temperaturas que beiram os 50ºC.
Embora 🏵 o calor e a falta de acesso aos rios e riachos ameacem a vida dos migrantes, muitos optam por atravessar 🏵 o deserto de Sonora porque há menos vigilância ali do que em outros pontos fronteiriços como Califórnia, Novo México ou 🏵 Texas, lugares onde onde a passagem é bloqueada por muros e arame farpado.
Depois de realizarem dezenas de buscas, os voluntários 🏵 aprenderam que devem levar pelo menos 13 garrafas de água cada um deles: dez para consumo próprio e outras três 🏵 para dar a algum migrante vivo que encontrem na viagem.
O segredo é beber água aos poucos e durante a caminhada 🏵 para evitar sintomas como cansaço, dores de cabeça ou tonturas.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Octavio Soria, conhecido como Chaparrito, 🏵 carrega consigo uma cruz para fincar no chão caso encontre algum corpo
Tal como outros voluntários, Chaparrito veste uma camiseta amarela 🏵 fluorescente para se distinguir do castanho e do verde que dominam a paisagem, botas para pisar nos espinhos dos arbustos 🏵 e proteção até aos joelhos para evitar picadas de cobra.
Ele também usa óculos e chapéu para se proteger do sol 🏵 que ainda nem nasceu.
Na mochila, pende um amuleto: um sapato de criança encontrado durante uma operação no deserto da Califórnia, 🏵 entre San Diego e Tijuana. Ele gosta de pensar que aquele “sapatinho” foi deixado para trás quando os pais do 🏵 menino partiram de madrugada, após terem descansado debaixo da árvore onde o encontrou.
“Este sapatinho me acompanhou durante os três anos 🏵 em que sou voluntário no Águias do Deserto”, diz ele enquanto verifica se tem água suficiente para o dia.
Há 34 🏵 anos, quando Chaparrito tinha 14, a mãe o enviou para os Estados Unidos com um tio, saindo de Querétaro e 🏵 passando pelo deserto da Califórnia. Cada vez que ela participa de uma missão, ela pensa no sacrifício que foi para 🏵 ela se separar dele.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Como amuleto, Chaparrito carrega na mochila um sapato de criança encontrado 🏵 no deserto da Califórnia
Quando Inmaculada relatou o desaparecimento de seu irmão aos Águias do Deserto, ela disse que ele tinha 🏵 uma tatuagem da Virgem de Guadalupe no braço direito e usava um implante para substituir dois dentes superiores.
Raúl é o 🏵 mais novo de seis irmãos. A família Sánchez é natural de San Antonio Acatepec, uma pequena cidade nas montanhas do 🏵 município de Zoquitlán, no estado de Puebla, no centro do México.
A família Sánchez pertence ao povo nativo nhua e sua 🏵 língua é o anahuac.
Inmaculada não sabe ler nem escrever em espanhol. Quando os voluntários do Águias do Deserto recomendaram que 🏵 ligasse para o consulado mexicano no Arizona para relatar o desaparecimento de Raúl, ela sentiu que não seria capaz de 🏵 tomar as medidas necessárias para procurá-lo.
“Essa foi a pior coisa que poderia acontecer comigo, ser forçada a pedir ajuda em 🏵 um idioma que não falo bem”, disse ela em entrevista, por telefone, de San Antonio Acatepec.
Ela conta que o 🏵 consulado disse que ela deveria recolher provas que mostrassem onde Raúl havia desaparecido e de como estava vestido.
“Como vão encontrá-lo 🏵 se ele já está desaparecido há um mês e meio?”, questionou Inmaculada. “Quem irá resgatá-lo naquele grande e perigoso deserto?”
Envolta 🏵 em incertezas, ela contatou o amigo de Raúl para ajudá-la a localizar o coiote.
Raúl perdeu o emprego num lava-jato durante 🏵 o período de confinamento da pandemia do coronavírus. Como não conseguiu um emprego estável, decidiu ir para os Estados Unidos. 🏵 Seus dois filhos adolescentes e sua companheira permaneceram nas montanhas enquanto ele iniciava a rota.
“Ele nunca me disse que planejava 🏵 atravessar o deserto de Sonora. Se ele tivesse me contado, eu jamais teria permitido”, diz Inmaculada.
Crédito, Cortesía de Inmaculada Sánchez
Raúl 🏵 Sánchez foi visto com vida pela última vez em 22 de agosto de 2023, no deserto de Sonora
Os Águias do 🏵 Deserto recebem cerca de 450 solicitações de busca mensalmente por meio de seus números de telefone e contas em redes 🏵 sociais.
Com cem voluntários que se revezam em cada operação, eles realizam duas ou três buscas por mês. A maioria dos 🏵 casos é descartada por falta de informações que permitam identificar onde realizar as buscas no deserto.
O compadre de Raúl forneceu 🏵 coordenadas precisas, no entanto, depois de falar com o coiote que o guiou para os Estados Unidos.
Segundo o coiote, Raúl 🏵 e os demais migrantes passaram em frente a uma fazenda e caminharam por mais de uma hora ao longo de 🏵 um riacho seco localizado na face leste do Cerro Picudo. Subiram a montanha e deixaram Raúl junto à rocha. Então 🏵 eles pegaram o caminho à direita no Y.
“Ele não se conectou pelo WhatsApp. O estranho é isso”, diz o compadre 🏵 numa reunião por Zoom com os socorristas, não compreendendo o significado daquela ausência.
O compadre mora nos Estados Unidos, mas sem 🏵 documentos, por isso pede para manter o anonimato.
Diante de um mapa do deserto marcado por coordenadas, Ely Ortiz, diretor do 🏵 Águias do Deserto, questiona se os companheiros de Raúl teriam deixado-o com água e comida, os recursos mais valiosos para 🏵 quem atravessa o deserto.
“Que caminho estranho essas pessoas tomam!”, diz Ely. Parece mais lógico seguir as encostas do morro em 🏵 vez de subi-lo.
Os voluntários questionam-se sobre qual caminho Raúl poderia ter seguido se estivesse com dificuldade de caminhar e concluem 🏵 que há duas possibilidades: encontrá-lo perto da rocha onde foi visto pela última vez ou no percurso da ribeira em 🏵 direção à base da montanha.
“Ele não aguentou subir isso”, supõe Ely enquanto traça as encostas do Cerro Picudo com o 🏵 cursor sobre o mapa, em uma tela compartilhada com os voluntários.
“Este lugar é feio.”
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Voluntários 🏵 do Águias do Deserto vasculham o deserto de Sonora, no Arizona, em busca de migrantes desaparecidos
Ele acredita que, se dividirem 🏵 os voluntários em dois grupos, será possível percorrer seis quilômetros: um subirá o Cerro Picudo até a rocha que marca 🏵 o Y e o outro seguirá o curso do riacho na base da montanha.
“Agradecemos de todo o coração”, diz o 🏵 amigo de Raúl antes de se despedir. "Deus abençoe todos vocês".
No sábado, 7 de outubro, às 8h30 da manhã, o 🏵 cinegrafista José María Rodero e eu chegamos com os voluntários à entrada do deserto de Sonora, mais próxima do lado 🏵 leste do Cerro Picudo.
Decidimos acompanhar Chaparrito e o grupo que caminhará ao longo do riacho.
Os voluntários do outro grupo reportarão 🏵 nas rádios, sintonizadas na frequência 2, caso encontrem Raúl na montanha.
Crédito, José María Rodero / News Mundo
O saguaro é 🏵 uma espécie de cacto que só cresce no deserto de Sonora
Ely Ortiz procurou pelo irmão e o primo no deserto 🏵 de Sonora durante quatro meses em 2009. Ele pediu ajuda à Patrulha da Fronteira do Arizona e aos Desert Angels, 🏵 na época a única organização que procurava migrantes desaparecidos.
Ele não conseguiu ajuda, porém, porque os migrantes tinham sido deixados pelo 🏵 coiote dentro de uma base militar abandonada. Quando ele finalmente conseguiu permissão de acesso, não podia imaginar o quanto o 🏵 resgate dos restos mortais a afetaria.
“Eles viraram múmias por causa do calor e ainda exalavam um cheiro horrível. Meu irmão 🏵 tirou os sapatos e os colocou ao lado dele, acho que os pés dele já estavam muito machucados por causa 🏵 das bolhas.”
Ely garante que aquela experiência causou “um trauma muito grande”.
“Na primeira noite eu não consegui dormir. Fui tomado por 🏵 um medo que não me deixava fazer nada, via isso em todos os lugares”, conta o socorrista. “É por isso 🏵 que decidi me dedicar à busca de migrantes no deserto de Sonora.”
Crédito, José María Rodero / News Mundo
Ely Ortiz 🏵 perdeu o irmão e o primo no deserto de Sonora.
Junto com a esposa Marisela, Ely passou a organizar buscas nos 🏵 finais de semana, enquanto a filha mais velha, de 12 anos, ficava em casa aos cuidados das irmãs mais novas.
“Foi 🏵 uma decisão familiar muito importante. Minha filha ficou ressentida com a gente porque sentiu que a havíamos abandonado”, explica 🏵 Marisela. “E eu sentia culpa por delegar a ela a responsabilidade de cuidar de suas irmãs.”
Durante as primeiras operações, Ely 🏵 saiu do deserto com bolhas sangrando. Em uma ocasião, sentiu que ia desmaiar devido à insolação e pediu a outros 🏵 voluntários que ligassem para o 911 e solicitassem uma evacuação de emergência.
“Naquele momento entendi porque muitos morrem de sede e 🏵 de calor”, diz ele. “Os migrantes vão para debaixo de um arbusto para dormir e não acordam novamente.”
Ao saber a 🏵 última localização de um migrante desaparecido, Ely denuncia o caso à patrulha de fronteira e ao consulado competente. Pelo menos 🏵 500 migrantes foram encontrados vivos durante os 14 anos de funcionamento da organização.
O desaparecimento de Raúl também foi denunciado à 🏵 Patrulha de Fronteira do Arizona.
Quando os voluntários encontram o corpo do migrante que procuram, Ely liga para os parentes para 🏵 dar a notícia. “Os familiares costumam pedir fotos dos restos mortais. “Sempre pergunto a eles se estão prontos para ver 🏵 isso.”
Depois de tantos anos, as operações ainda o afetam. “Cada vez que encontramos um corpo, lembro-me do meu irmão novamente.”
Pelo 🏵 menos 3.600 migrantes sem documentos morreram no deserto de Sonora desde 1990, segundo as autoridades dos EUA.
Naquele sábado, Ely e 🏵 Marisela ficam nas vans para coordenar os voluntários pelo rádio e auxiliá-los nos veículos, caso seja necessário. Eles distribuem laranjas 🏵 e água de coco antes que a equipe de resgate vá ao deserto em busca de Raúl.
Crédito, Valentina Oropeza / 🏵 News Mundo
Marisela Ortiz ajuda o marido Ely a coordenar as atividades dos Águias do Deserto
Como em outras operações, os 🏵 voluntários se reúnem em um círculo e fazem uma oração para pedir que Deus os proteja das ameaças do deserto 🏵 e os ajude a encontrar o migrante que procuram.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Antes de entrar no deserto de 🏵 Sonora, os voluntários fazem uma oração
Damos início ao trajeto junto a Chaparrito e nos deparamos com “evidências”, como os voluntários 🏵 chamam os rastros deixados pelos migrantes: mochilas camufladas para camuflá-los na passagem pelo deserto e “sapatos de tapete”, de sola 🏵 felpuda para não deixar rastros no caminho e assim evitar que a patrulha de fronteira os encontre.
Em alguns locais 🏵 acumulam-se garrafas plásticas, isqueiros, cobertores, roupas e brinquedos. Antes de tocar nas mochilas com as mãos, os voluntários as viram 🏵 com paus para verificar se não há escorpiões ou cobras dentro.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Na caminhada pelo deserto 🏵 de Sonora, é comum os voluntários encontrarem pertences abandonados por migrantes
O voluntário Alberto Ortega descobre a pegada de um puma 🏵 da montanha no chão. Ao olhar para cima, avista um urubu preto, uma ave de rapina que sobrevoa e come 🏵 carne em decomposição que encontra no chão.
A presença de abutres ajuda os voluntários a localizar corpos à distância. “Se o 🏵 corpo estiver fresco, o cheiro é insuportável. É simplesmente de tirar o fôlego”, diz Alberto enquanto caminha por um arbusto 🏵 denso.
De repente, encontramos ossos espalhados entre os arbustos.
Alberto abaixa-se, coloca uma fita métrica ao lado do osso maior e tira 🏵 uma foto com o celular. Repete o procedimento com cada osso visível. Quando recuperar o sinal, enviará as imagens aos 🏵 médicos legistas do condado de Pima para confirmar se são ossos humanos ou de animais.
Em seguida, ele pega as coordenadas 🏵 e prende fitas amarelas fluorescentes em pedras que coloca ao lado dos ossos, para facilitar a localização das autoridades.
Crédito, Valentina 🏵 Oropeza / News Mundo
Alberto Ortega deixa fitas fluorescentes nos locais onde encontra ossos para facilitar a localização das autoridades.
Descemos 🏵 pelo caminho de pedra que outrora foi o fundo do riacho. À medida que avançamos, Chaparrito grita: “Somos Águias do 🏵 Deserto! Trazemos água e comida!”
Esse alerta não visa apenas ajudar os migrantes que podem estar perdidos e com sede na 🏵 área. Ele também alerta os integrantes do crime organizado que circulam pela fronteira sobre a presença dos voluntários.
Recebemos um aviso 🏵 nas rádios: um migrante vivo que ouviu Chaparrito se aproximou para pedir ajuda e se entregar à patrulha de fronteira.
“Preciso 🏵 de água, preciso de comida!”, gritou para Marisela, que esperava no carro com Ely.
Quando voltamos aos veículos, encontramos o homem 🏵 sentado, olhando para o nada. Aproximo-me dele para perguntar como ele se sente e ele demora alguns segundos para responder, 🏵 como se não entendesse o que estou dizendo.
Ele concorda em deixar Ely chamar a patrulha da fronteira para ajudá-lo e 🏵 mandá-lo de volta ao México.
Ele diz que tem 42 anos. A esposa e duas filhas o esperam no México. "É 🏵 horrível. Se eu soubesse que corria risco de morrer, nunca teria entrado no deserto.”
Ele está perdido há três dias, sem 🏵 comida e água. Quando ouviu o grito de Chaparrito, escondeu-se e nos observou. “Tive muito medo, foi difícil para mim 🏵 entender que poderiam me ajudar.”
“Agora tudo que quero é voltar para minha família.”
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Desde 1990, 🏵 cerca de 3.600 migrantes ilegais morreram no deserto de Sonora
Enquanto seguimos o curso do riacho, o outro grupo sobe o 🏵 Cerro Picudo por mais de quatro horas e chega ao local onde Raúl foi visto com vida pela última vez.
Mas 🏵 os voluntários não encontram vestígios do migrante.
Há tantas pedras grandes e arbustos crescidos que é difícil para eles terem certeza 🏵 de que chegaram ao penhasco onde o caminho se divide em Y. Dois dos voluntários vão em frente e avistam 🏵 ossos.
“Esperem, companheiros, encontramos um corpo”, ouvimos no rádio.
São costelas e ossos do pé. No lugar onde deveria estar a cabeça, 🏵 havia um anel de metal, como um piercing.
A vários metros de distância, encontram uma caveira e uma carteira com a 🏵 identificação de uma mulher chamada Soledad Elizabeth Alvarado Castillo. O cartão mostra um endereço residencial no estado de San Luis 🏵 Potosí, no centro do México.
Todos ficam surpresos por terem tropeçado em um corpo que não procuravam em uma área tão 🏵 remota do deserto.
Dias depois, os voluntários encontraram a ficha de Soledad no portal da Comissão Estatal de Busca de Pessoas 🏵 de San Luis Potosí.
Ela tinha 1,55 de altura, 28 anos, olhos castanhos claros e cabelos longos e lisos. Foi vista 🏵 pela última vez havia um ano e sete meses, em 28 de janeiro de 2023. Tinha três tatuagens, um piercing 🏵 na língua e outro no nariz.
Crédito, Alerta de búsqueda de Soledad Alvarado
Os restos mortais de Soledad Alvarado foram encontrados por 🏵 acaso
Enquanto seus companheiros cercam o primeiro corpo, o voluntário Roberto Martínez ganha forças para escalar as pedras e procurar mais 🏵 pertences do corpo.
“Vários metros à frente vejo alguns pés numa pedra e começo a ficar nervoso”, lembra Roberto.
Ele se aproxima 🏵 e descobre outro corpo que está com uma camiseta vermelha, tênis preto e um implante dentário. Como Raúl.
“Avisei aos meus 🏵 companheiros que havia localizado o rapaz que procurávamos.”
Durante seu voluntariado nas Águilas del Desierto, Roberto encontrou vários corpos. “Sempre me 🏵 pergunto como é possível fazermos isso uns com os outros, de um ser humano para outro, como as fronteiras e 🏵 a política nos levam a perder vidas.”
Nenhum dos voluntários que escalaram o Cerro Picudo carregava uma cruz de madeira pintada 🏵 de branco para colocar ao lado dos corpos.
Apenas Chaparrito e Alberto carregavam-nas no grupo do riacho.
Quando ouvimos sobre as descobertas 🏵 no rádio, peço que Ely nos ajude a chegar ao local em que se acredita que Raúl tenha sido encontrado. 🏵 Ele avisa que é perigoso e não quer nos colocar em risco.
Chaparrito e outro voluntário oferecem nos acompanhar.
Não nos resta 🏵 muita água depois de cinco horas de caminhada.
Da base da montanha, Chaparrito aponta para a rocha onde Raúl estava para 🏵 mostrar um pequeno ponto amarelo, a camisa de outro voluntário.
À medida que avançamos, as encostas tornam-se mais íngremes e os 🏵 arbustos transformam-se em túneis de espinhos que se prendem nas roupas e rasgam a pele.
Depois de subir por algumas horas, 🏵 dois voluntários aparecem e descem exaustos. “Agora vem o pior”, alerta um deles.
Esse aviso me faz entender que, se continuar 🏵 subindo, posso não ter forças para voltar sozinho. Com sede e tontura, decido voltar com os voluntários que estão descendo.
Pergunto 🏵 ao meu companheiro José se ele pode continuar e ele responde que sim. Chaparrito despede-se dizendo que cuidará bem dele.
Eles 🏵 levam mais duas horas para chegar ao local onde está o corpo de Raúl. Quando estão perto de chegar, Chaparrito 🏵 sente uma cãibra nas pernas e José torce o joelho.
“Vamos continuar subindo, a gente consegue”, diz Chaparrito a José.
Crédito, Valentina 🏵 Oropeza / News Mundo
O cinegrafista José María Rodero subiu o Cerro Picudo acompanhado de Chaparrito.
Começa a trovejar. Um dos 🏵 voluntários diz para eu não me preocupar. Faz três meses que não chove no deserto, então as encostas certamente estarão 🏵 secas quando Chaparrito e José descerem a montanha.
Ao ver a fita vermelha que marca o perímetro do corpo de Raúl, 🏵 Chaparrito vira e pergunta a José: "Você está mentalmente preparado? Você sabe a que vai se expor?"
Chaparrito avança entre as 🏵 grandes pedras cinzentas com a cruz branca pendurada na mochila.
Sentem um cheiro de carne decomposta avançando sobre eles. Ao se 🏵 aproximarem da fita vermelha, ouvem o zumbido das moscas.
José ousa olhar para o corpo. Ele está deitado de costas, com 🏵 a cabeça virada para o lado, próximo a uma mochila e um galão preto de água.
Os restos mortais estão sob 🏵 o sol, como se Raúl tivesse ficado sem forças para procurar sombra e proteger-se das intempéries do deserto.
Chaparrito tira a 🏵 cruz branca que carrega na mochila, além de um crucifixo e uma garrafa de água benta. Coloca a bolsa de 🏵 lado e tira o chapéu que o protegeu do sol o dia todo.
Ele prega a cruz no chão próximo ao 🏵 corpo e coloca várias pedras ao redor da base, para garantir que ela permaneça em pé apesar do golpe de 🏵 vento.
Chaparrito coloca o crucifixo na cruz e ajoelha-se. Exausto, ele pede para ser lembrado do nome do rapaz que procuravam.
“Raúl!”, 🏵 grita Roberto, o voluntário que encontrou o corpo.
Chaparrito faz o sinal da cruz e começa uma oração:
"A Virgem Maria…
Santo Padre, 🏵 nas tuas mãos colocamos Raúl.
Infelizmente não foi como esperava.
Oramos a você, santo padre, para que o receba em seu santo 🏵 reino.
Talvez, Senhor, ele fosse um pecador.
Talvez, Senhor, ele tenha vindo com a ideia de levar sua família adiante.
No entanto, ele 🏵 não conseguiu."
“Com esta água benta eu resplandeço”, diz ele antes de pegar a garrafa e borrifar gotas na cruz e 🏵 no corpo. “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.”
De joelhos, Chaparrito faz o sinal da cruz 🏵 e permanece em silêncio para abafar as lágrimas, mas não consegue contê-las. Inclinando a cabeça para frente, ele cobre o 🏵 rosto por um momento, depois abre os olhos e enxuga as lágrimas.
Após uma inspiração profunda, direcione o olhar para um 🏵 espaço vazio, como se evitasse olhar para o corpo.
Crédito, Valentina Oropeza / News Mundo
Agentes do condado de Pima resgataram 🏵 os corpos com a ajuda de um helicóptero
Um agente de busca e resgate do condado de Pima pousa na montanha, 🏵 a bordo de um helicóptero, para retirar os corpos.
“Muito obrigado, vocês fizeram um ótimo trabalho”, diz aos voluntários.
Enquanto espero Chaparrito 🏵 e José descerem da montanha, depois de nove horas de caminhada, vejo os corpos chegarem no helicóptero e para serem 🏵 transportados em uma van.
Um funcionário da equipe de busca e resgate do condado de Pima me explica que aquela montanha 🏵 é um lugar remoto por onde passam os migrantes que se perdem no caminho para os Estados Unidos.
Estamos diante de 🏵 uma ocasião excepcional. Em média, um corpo é localizado por mês. Só naquele dia, dois foram resgatados, graças aos Águias 🏵 do Deserto.
Ely diz que é incomum que eles se mobilizem tão rapidamente para recuperar os restos mortais. Ele esclarece que 🏵 muitos migrantes apareceram no Cerro Picudo, mas do outro lado, no oeste da montanha.
Ao final da operação, antes de se 🏵 despedir, satisfeito com as descobertas, Chaparrito revela que se mudará para o Texas para dar início a um novo capítulo 🏵 dos Águias do Deserto.
Nas montanhas de San Antonio Acatepec, a família de Raúl espera que o consulado mexicano no Arizona 🏵 realize a repatriação dos restos mortais.
“Somos gratos aos voluntários por procurarem meu irmão e nos permitirem ter uma conclusão”, diz 🏵 Inmaculada entre soluços.
“Agora, o mais importante é que minha mãe enterre o filho.”
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