Quando uma democracia termina e uma teocracia começa?

India, Hungria e Israel já teriam cruzado a linha entre democracia e teocracia? 🧾 É possível que o Brasil e os Estados Unidos também sigam o mesmo caminho?

Nunca pensamos que nos perguntaríamos sobre isso, 🧾 mas essas questões estão presentes nossas mentes há mais de uma década. Agora, conseguimos abordá-las de forma mais direta 🧾 nosso filme, Apocalipse nos Trópicos, que examina especificamente a relação entre a extrema-direita e o fundamentalismo cristão no Brasil.

Nós, 🧾 duas brasileiras – uma ativista e organizadora comunitária transformada produtora – Alessandra Orofino – e a outra, uma antropóloga 🧾 transformada cineasta – Petra Costa. Nossa jornada começou lugares diferentes: uma delas passou anos embarcada nos círculos mais 🧾 altos da democracia institucional, filmando presidentes, ministros e juízes de perto durante um período de turbulência intensa.

A outra tentava organizar 🧾 as pessoas do zero – desenvolvendo campanhas de justiça social que envolveriam milhões na tomada de decisões ou dariam a 🧾 dezenas de milhares acesso às redes de solidariedade no solo. Ambas testemunham cenas que antecipariam o impacto significativo que o 🧾 fundamentalismo religioso teria na política do nosso país.

O impacto do fundamentalismo religioso na política brasileira

Em 2024, Costa estava filmando A 🧾 Beira da Democracia, tentando entender como as democracias todo o mundo chegaram a um estado de crise e se 🧾 poderiam superá-lo. Nós estávamos no meio de uma crise econômica e um processo de impeachment controverso. E então Costa foi 🧾 com uma equipe de filmagem para a capital, tentar entender o que estava acontecendo com nossa democracia. E vez 🧾 de encontrar políticos discutindo os assuntos questão, ela encontrou um pastor evangélico e congressista e seus seguidores andando pelos 🧾 corredores do Congresso e abençoando os assentos dos legisladores. Eles estavam determinados a estabelecer um governo de "verdadeiros crentes" e 🧾 derrubar a "parede entre igreja e estado" de uma vez por todas.

Nesse mesmo ano, Orofino fundou uma organização que selecionou 🧾 e treinou voluntários para apoiar mulheres situações de violência, principalmente de parceiros íntimos. A organização cresceu rapidamente e rapidamente 🧾 atraiu a atenção de líderes religiosos algumas comunidades. Em um caso, o pastor reclamou que a mulher havia decidido 🧾 deixar o relacionamento abusivo que estava. De certa forma, a organização havia se intrometido um papel que as 🧾 igrejas evangélicas haviam estado desempenhando grande parte sozinhas: uma rede de apoio de base para algumas das pessoas mais 🧾 vulneráveis entre nós.

No início da pandemia de Covid-19, esse duplo papel desempenhado pelas igrejas evangélicas atingiu o auge: enquanto alguns 🧾 pastores organizavam rapidamente suas comunidades para enfrentar a doença – tanto material quanto espiritualmente – muitos também reconheceram o vácuo 🧾 que a crise política que se seguiu estava criando nos níveis mais altos do governo e imediatamente começaram a buscar 🧾 mais e mais poder.

Nosso presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, perdeu aliado após aliado. Enquanto isso, ele precisava de apoio teológico 🧾 à sua tese publicamente professada de que o Covid não era tão ruim e que precisávamos continuar com a vida 🧾 normal. Foi então que ele fortaleceu sua conexão com alguns líderes evangélicos que lutavam para manter as igrejas abertas, enquanto 🧾 incentivavam orações e jejum como resposta apropriada à doença. Um deles era o tele-evangelista mais proeminente do Brasil, o pastor 🧾 Silas Malafaia.

O primeiro serviço que filmamos na igreja de Malafaia estava dirigido a jovens e ele pregou que seria o 🧾 ministro de uma geração que "mudaria a história": cristãos valiosos que ocupariam posições de liderança todas as dimensões – 🧾 ou "montanhas" – da sociedade. Esse discurso, descobrimos, estava no centro de uma teologia que informava silenciosamente muito do que 🧾 estávamos testemunhando: dominionismo, uma teologia que reivindica que os cristãos devem controlar todos os aspectos da sociedade.

Nos próximos quatro anos, 🧾 filmamos Malafaia cumprindo parte dessa profecia ao ajudar a orquestrar a nomeação do primeiro pastor evangélico para o Supremo Tribunal. 🧾 Ele nos contou de primeira mão como pressionou o presidente e os senadores para que a indicação fosse aprovada. Em 🧾 seguida, quando as eleições de 2024 se aproximavam e o Lula liderava as pesquisas, Bolsonaro e Malafaia começaram a atacar 🧾 o Supremo Tribunal e o sistema de votação e incitar a população a uma insurreição contra a ordem constitucional, o 🧾 que levaria a nossa própria data de 8 de janeiro de 2024 (uma má imitação do americano 6 de janeiro).

Bolsonaro 🧾 perdeu e a tentativa de golpe não teve sucesso. Mas nossa democracia se sente tão frágil quanto sempre. Dominionistas continuam 🧾 determinados a cumprir sua profecia todos os níveis de nossa sociedade. Evangélicos agora representam mais de 30% da população 🧾 brasileira e, embora sejam um grupo diverso, tornaram-se uma das forças políticas mais poderosas e unidas na história do país. 🧾 Em 2024, ser evangélico foi o maior preditor de voto Bolsonaro – mais do que raça, classe ou gênero. 🧾 Alguns líderes evangélicos afirmam que representarão a maioria breve – e muitos, como Malafaia, afirmam abertamente que, se um 🧾 país tiver uma maioria cristã, então essa maioria tem não apenas o direito, mas o dever de impor sua vontade 🧾 sobre as minorias religiosas.

Se o casamento entre fundamentalistas religiosos e a extrema-direita continuar a ter sucesso todo o mundo, 🧾 poderemos testemunhar a destruição de uma das maiores invenções da modernidade – a separação entre igreja e Estado. Curiosamente, isso 🧾 não foi inventado por ateus, mas por cristãos, após séculos de guerras religiosas – nas quais milhões foram mortos, torturados 🧾 e escravizados, simplesmente por serem de uma fé diferente. Muitos evangélicos com quem falamos no Brasil já estão sentindo o 🧾 crescimento da intolerância religiosa seu movimento, com alguns líderes perseguindo pastores e seguidores que não concordam com sua visão 🧾 para o domínio sobre a política.

Após a jornada que passamos fazendo esse filme, nós só podemos nos encontrar com uma 🧾 nova aprecição por duas coisas que, à princípio, podem parecer contraditórias: a importância da espiritualidade para a humanidade e o 🧾 perigo existencial que a mistura entre política e religião representa atualmente para a democracia. ao mesmo tempo, nós chegamos a 🧾 perceber que o compromisso político exige fé – talvez não Deus, mas na democracia si. E quando essa 🧾 fé vacila, as teocracias podem bem estar ao nosso redor – oferecendo algo moral e digno de lutar.

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